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A música estava alta, e estava
longe de ser de boa qualidade.
Há alguns dias atrás já tinha reparado nele, conheci ele há alguns anos antes,
era um colega como todos os outros.
Alguma coisa me chamava à atenção.
Bêbados, todos eram incapazes de diferenciar certo do errado, do humano e do
imbecil, estava sentada, com a cara amarrada, alias, era de se esperar, a
bebida transformava as pessoas em simples bonecos de ventrículo sem raciocínio
nenhum.
Ele, ah... ele era diferente, com sua cerveja, seu bom humor e sua guitarra,
sentara ao meu lado e perguntou: “Você está brava?” e eu em meu profundo ódio
apenas o respondi, “Não”. Ele então não satisfeito disse que iria tirar uma
foto para eu conseguir ver minha própria face de raiva, foi ai, exatamente aí,
que me toquei que ele poderia enxergar a alma, a minha alma, e não o meu corpo.
Brigas irracionais, sentimentos irracionais, nos levaram a uma delegacia, foi
onde passei uma noite toda ao seu lado, não a sós, mas próximos o bastante pra
enxergarmos aquilo que eu acreditava não existir, a alma.
Dias intermináveis, noites mais ainda, minha vida parecia não ter sentido
algum, nada era como eu imaginava, meu coração que não batia voltou a bater,
sem ao menos eu entender o porquê, as músicas tinham outro sentido, mas eu me
recusava aceitar que era verdade, que eu não queria estar ali, queria estar nos
acordes de sua guitarra, no tom suave da sua voz, talvez até em suas
composições.
Os amigos sem a presença dele não passavam de apenas pessoas sem brilho nenhum,
tudo mudava quando ele estava perto de mim, mesmo negando, sua presença fazia
com que o rumo da minha vida enxergasse um sentido em todo o mundo.
Cegos, todos eram cegos, eu não era capaz de mentir, de esconder o que estava
sentindo, alias, creio que não se tratavam de cegos e sim de pessoas incapazes
de ver e entender o brilho de um olhar, do perfume de uma alma, da vida se
tornando bonita e do sentido fazendo parte de cada minuto do meu dia.
Final de semana todos nós nos reuníamos, em um deles, todos novamente bêbados e
impassíveis de sentimentos dormiram, foi quando um filme qualquer me fez ficar
ao lado dele a noite toda, quando sua risada e seu sorriso entravam em minha
mente, como um filme em câmera lenta, pego em sua mão, foi a sensação mais
indescritível que tive até hoje, fiquei deitada no chão duro, com poeira, bem
em frente a televisão, sabia que alguém poderia acordar e estragar aquele
momento, mas isso não fazia diferença alguma, só queria estar ali, só queria segurar
em sua mão. Por fim, amanheceu, enquanto todos dormiam, tive que o levar até o
portão, onde sua mãe o esperava para ir até o aeroporto, no simples tchau,
senti que ele também havia sentido a real importância daquela noite, que não
era somente eu que estava mudando minha vida por sua causa.
Novamente os dias passavam, mas passavam demoradamente, como um poema sem fim,
como um filme onde cada detalhe te preocupa, onde sua cabeça não para por um
minuto se quer, onde o medo de mudar sua vida inteira toma conta de todo o seu
corpo.
Puxando pela memória, lembro-me do dia que realmente senti que éramos mais do
que apenas dois conhecidos, estávamos na porta de uma balada qualquer de São
Paulo, eu estava com um tédio imensurável, não queria estar ali, meu bom gosto
musical falava mais alto do que qualquer sonho de uma bandinha dar certo
tocando músicas brega dos anos 80, estava tomando um ar, quando ele de repente
parou ao meu lado, e conversamos, foi aí, exatamente nesse momento que o ar de
sua presença se destacou dentro do meu peito.
Eu já trabalhava, tinha meu próprio dinheiro, já sabia o que queria estudar,
mas nada na minha vida é tão fácil, quando tivesse oportunidade o faria com
toda certeza. Hora por hora, dia por
dia, eu só queria resolver isso, sair gritando para o mundo todo que o queria,
queria para a vida toda.
Mais uma noite com os amigos, e como não tinha ninguém em minha casa, chamei
todos para dormirem lá, e isso foi o que todos fizeram, menos eu, e muito menos
ele, peguei em sua mão, teria que trabalhar no dia seguinte, mas pouco me
importava, queria estar ali, dormindo com ele, sentindo seu cheiro, pedi um
beijo, mas as circunstâncias fizeram o resistir. O dia novamente amanheceu
rápido, e no peito a mesma sensação que ele apenas sentia, aquilo que não dava
para negar, aquilo que faziam as coisas mais bonitas, aquele afeto que não
tinha aonde se esconder.
As pessoas ao meu redor se fingiam de desentendidas, mas todos já imaginavam
que era aquilo mesmo que estava acontecendo e não daria para sustentar por
muito tempo.
O que me atormentava era imaginar, que poderia estar matando outra pessoa com
isso tudo, mas como matar o sentimento que nunca existiu? Nunca segurei em
alguma mão que não faria eu cair, nunca olhei dentro de qualquer olhar e vi minha
vida inteira, nunca senti que poderia fechar os olhos e dormir tranqüila
enquanto alguém me protegia, então não estaria matando sentimento algum, fui em
frente.
Coragem, assuma aquilo o que quer, as 24 horas do dia isso batia e rebatia em
minha cabeça, mas não tinha a certeza que a outra parte sentia o mesmo, se a
outra parte tinha a certeza de que se o amor existe, ele poderia acontecer
apenas uma vez, e estava ali, querendo nascer.
Uma amiga com problemas sentimentais veio em fazer companhia, conversamos
muito, até que perdemos a paciência com aquilo que não nos fazia bem,
combinamos de sair, mas antes de nossa saída, na internet, nada de olhares,
palavras, cheiros, admiti tudo o que sentia a ele, e tive que resposta que
esperava, que seus braços estavam abertos para os meus.
A noite que seria de total bebedeira, diversão e qualquer outra coisa, caiu por
água abaixo, só queria ele, só queria estar com ele, resolvendo todos os outros
problemas de minha vida, enquanto ajudava minha amiga, que no fundo só queria
sentir o que eu estava sentindo naquele momento.
Por mais que eu estivesse brava com outra pessoa, a noite foi maravilhosa,
deitei pela manhã, e meu travesseiro nunca antes tivesse me visto tão feliz e
completa, nesse momento acho que sabia o significado da palavra felicidade.
Estava me sentindo viva, nada poderia
estragar aquilo, não poderia fugir, era o meu destino, aquele olhar era meu
destino.
Outra noite com os amigos, dessa vez no território dele, dois dias seguidos lá,
quando todos se divertiam, bebiam, fumavam, eu o olhava e sabia que apenas por
aquele olhar, era o meu abraço que ele desejava.
Aquilo ardia, machucava, dilacerava o meu coração, aquela vontade súbita de o
abraçar, de saber ao certo quem era ele, o que pensava, como agia, não estava
suportando; foi quando tive a idéia de preparar alguma coisa para comer, ele
como dono da casa deveria me ajudar.
A sós, aquilo que ardia em meu peito não podia ser controlado, não poderia de
jeito algum ser , tudo era real, tudo estava ali, diante do meu ser, foi quando
ambas das partes não resistiram, o nosso primeiro beijo aconteceu, com toda
certeza que possa existir no mundo o meu desejo era de que o tempo poderia
parar ali, o mundo poderia acabar, tudo poderia deixar de existir, eu estava
completa.
E como tudo tinha que acontecer como uma boa novela mexicana, as pessoas entram
na cozinha e acabam presenciando tudo, brigas, discussões, mas em momento algum
arrependimento. Nunca derramei uma lágrima se quer com honestidade e pureza,
então estava mais do que na hora de corações serem partidos, amizades serem
comprovadas e acima de tudo, as vidas tomarem seus rumos certos.
Após todo o falso drama, ficamos a sós novamente, intenso, não consigo
descrever em palavras, mas a que consegue se aproximar é exatamente essa,
intensidade.